Belém (PA) – O direito à verdade na
democracia foi o tema do sétimo painel da VI Conferência Internacional de
Direitos Humanos, realizado na tarde desta quarta-feira (29), na capital
paraense. Sob coordenação de Oswaldo Coelho, presidente da Caixa de Assistência
dos Advogados do Pará, trouxe como expositores Wadih Damous, Edilza Fontes,
Calogero Pizzolo e Paulo Fontelles Filho.
Coelho apresentou aos conferencistas o
filme “Advogados contra a Ditadura: Por uma Questão de Justiça”, do cineasta
Silvio Tendler. “Os advogados foram grandes vítimas da ditadura, foram calados.
O filme mostra essa história e é uma homenagem a esses guerreiros da
democracia”, explicou.
Edilza Fontes, presidente da Comissão
César Moraes Leite de Memória e Verdade da Universidade Federal do Pará, contou
sobre o desenvolvimento do grupo, que surgiu após a criação da comissão
nacional. “Fizemos levantamento na documentação entre universidade e órgãos
como o Serviço Nacional de Informações. Selecionamos nomes que eram mais
frequentes e convidamos para fazer banco de dados de memória. Nosso objetivo
era registrar depoimentos. Mas não adianta registrar e guardar, tem que fazer
história pública, dar acesso”, explicou.
Entre as descobertas, listou
proibições de contratações na universidade, pedidos de jubilamentos de alunos,
exigência de nota pública de nota de apoio ao AI-5. A partir do levantamento, a
universidade pediu desculpas oficiais a 29 ex-alunos e professores que tiveram
seus direitos humanos violados. “Para historiadores, é importante a busca pela
verdade, uma busca com reflexão. Se jurista emite sentença, isso não cabe ao
historiador. Sociedade tem que entender a partir de quais fontes construímos
uma narrativa. Não se refaz o passado, apenas o olhar sobre ele”, concluiu.
O historiador Paulo Fontelles Filho,
que nasceu no cárcere durante a ditadura militar e membro da Comissão da
Verdade do Pará, questionou se no Brasil foras concluídas as tarefas do
processo ligado à redemocratização. “Passados 30 anos, algumas questões ainda
precisam ser colocadas”, responder.
Fontelles listou cinco pontos em que
o Brasil precisa avançar para chegar ao resultado esperado. O primeiro é o
julgamento e punição de quem torturou nos cárceres, além da reinterpretação da
Lei da Anistia. “Em segundo lugar, precisamos recrudescer luta para identificar
e relatar circunstâncias de morte dos desaparecidos políticos no país. Deve
haver ainda reparações individuais e coletivas a quem esteve envolvido. Elas
têm que chegar a setores que eram invisibilidados, como camponeses e
indígenas”, listou. O estabelecimento das comissões da verdade e o cumprimento
de suas recomendações, como desmilitarização das polícias, completam a lista.
Professor da Universidade de Buenos
Aires, Pizzolo abordou em sua palestra a mudança de paradigma do direito à
verdade sob a ótica do direito internacional, principalmente na Corte
Interamericana de Direitos Humanos. Foi se fortalecendo após o desaparecimento
forçado de pessoas e a falta de transparência em julgamentos de presos
políticos.
“Impõe-se clara a obrigação ao Estado
de investigar, reconstruir a memória histórica. Na Corte Interamericana, o
direito à verdade tem duas dimensões, a individual e a coletiva. Também há
qualquer incompatibilidade de uma lei de anistia frente a esse direito ou de
qualquer outro instrumento que pretenda consagrar a impunidade a respeito do
passado”, explicou.
Wadih Damous, presidente da
Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB e da Comissão da Verdade do Rio de
Janeiro, a temática do direito à verdade é bastante atual, principalmente em um
momento em que parte da sociedade pede a volta dos militares. “Em nossa
democracia, um dos vários aspectos que podemos dizer que ela ainda não se
aperfeiçoou é no déficit que Estado brasileiro tem com a verdade, memória e
justiça no nosso país”, afirmou.
Damous também pediu um minuto de
silêncio pela morte de Inês Etienne, militante política torturada na Casa da
Morte, ocorrida na segunda-feira (29). “Inês morreu sem ver ser feita justiça,
não viu seus algozes no banco dos réus respondendo ao estado de direito pelos
crimes de lesa-humanidade que praticaram”, explicou.
“Estamos falando de um passado que
não passa, um eterno presente. Todas as vezes em que estão sendo torturadas
pessoas nas delegacias, em que pessoas desaparecem, não são episódios do
passado, são da nossa contemporaneidade. Não mais sobre perseguidos políticos e
estudantes que lutavam por democracia. Hoje se abate sobre os jovens negros
pobres, moradores das favelas. A redução da maioridade penal é negar à
juventude o que há de melhor. Em vez de oferecer escola e saúde, dá cadeia”,
discursou.
No balanço que fez das atividades da
Comissão da Verdade, Damous disse que ela fracassou em obter respostas sobre os
desaparecidos políticos, mas que também houve êxitos. “Conseguimos dialogar com
a juventude. Ao informarmos o que aconteceu na época do arbítrio, criamos
mecanismos para que nunca mais aconteça. Esse é o principal objetivo. É muito
importante se conhecer a verdade. Nossa democracia deve muito aos jovens que a
fertilizaram com seu sangue. Temos que exigir do Estado o cumprimento das
recomendações da Comissão Nacional da Verdade. Sem isso, infelizmente, jamais
poderemos dizer que temos uma democracia plena”, finalizou.